Sabes, ainda aqui estou, nesta esquina onde um dia prometeste que me surpreenderias. Mantenho-me de pé, indiferente aos gracejos de pedra das soleiras das portas, aos perigos acrescidos do buraco do ozono e ao adornar dos algerozes, que vão deixando cair os restos da invernia. Para passar o tempo, vou espreitando quem passa. Reparo, por exemplo, nestes cães, que levantam a perna e aliviam a solidão dos donos no tronco carcomido da única árvore que resta, uma amoreira de copa mirrada que se esgalga por entre as paredes inclinadas daqueles dois prédios ali, os mais antigos da rua. Cá continuo, nesta esquina de arestas limadas de tanto que nelas me rocei de desejo, à espera que me chegues inopinada e te fixes nas veias salientes do meu pulso como se nelas decifrasses um código de barras, que entrelaces os teus dedos nos meus a brincar, fazendo com eles uma jangada de pauzinhos, daquelas difíceis como um rendilhado de bilros, e que distraias esta minha verticalidade teimosa com os teus ares de nobreza fingida...Ainda aqui estou, nesta esquina onde sabes que te espero (onde sabes que te estou a mentir).
(Musica Ivete Sangalo- Se eu não te amasse tanto assim)